quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Luto


Chorei. Mas chorei muito no domingo, com a impotência quanto a queima da memória, no incêndio do Museu Histórico Nacional, na Quinta. Esforcei-me para ser firme e conciso, mas confesso que tive muitas dificuldades. Fui tomado por emoções muito fortes, entre tristeza, indignação e raiva. Agora, tomado pelo luto, posso tecer esses pensamentos.
Não podemos falar que foi acidente. Acidente são essas instituições ainda existirem. Acidente é ainda existir museu no Brasil. Acidente é ainda existir universidade. O descaso com a nossa memória e a importância dos bens materiais e imateriais perdidas não tem tamanho. E podemos dimensionar isso, nas frases de nossos governantes no rescaldo do incêndio. O prefeito falando em reconstrução do palácio, como se o que tinha dentro não tivesse a menor importância. Olham para o Museu e veem apenas o prédio onde morou a Família Real. A preocupação era apenas com o projeto físico. Parte dos candidatos à presidência defendem a extinção do Ministério da Cultura, e até fala de ministro atual falando que história não serve para nada. Lembrando que o atual governo congelou os gastos e extinguiu o Ministério da Cultura, e sob pressão reativou novamente, mas tirou um orçamento que era de 500 mil para 50 mil em manutenção. Quando um governo corta verba, é esse dinheiro que falta também para a segurança, prevenção de incêndios em seus prédios.
Tragédia é quando cai um raio, isso foi um crime.
Tudo que é público está sendo destruído. Até a nossa história.  Esse desmonte provocado por uma política Neoliberal nervosa, pretende transformar tudo que é público em privado. A receita é simples: Diminui as verbas, sucateia ao máximo e vende, através da imprensa, a idéia que tudo que é público é ruim. A noção de parte da população comprando esse marketing é vergonhosa, pois cria através de ódio, uma parte da população fazendo piadas com o ocorrido. Além dessa precariedade, promovida por baixos investimentos que foram minguando ao longo de vários governos, este deu o golpe final. E como se não bastasse, não havia água, os bombeiros não chegaram a tempo e tinha poucos equipamentos. Lembrando que o museu do Louvre, que passou por guerras mundiais, tem uma brigada de incêndio dentro do próprio museu, onde apenas os mais qualificados podem exercer a função, é público.
Questão de prioridade.
Exatamente uma semana depois do incêndio que acometeu as terras do Xingu, essa tragédia vem reforçar não só o desmonte intencional da cultura, mas do nosso passado, total abandono de um Governo pautado pelo total desprezo a cultura e ciência.
O medo da cultura nos governantes é imenso. O saber pode interferir no projeto de poder neoliberal. Devemos ter nosso direito à cultura como prioridade. A noção de direitos culturais é a que vincula à Cultura. O termo cultura tem origem no latim colere, que significa cultivar, tratar, cuidar de. Seu uso remete à agricultura e à instrução dos indivíduos. Deu origem aos termos: alemão (Kultur) e francês (civilization). Trata-se de uma palavra polissêmica.
Guy Debord, acredita que a arte se con­fundiu com mercadoria e, portanto, perdeu qualquer pertinência ou identidade autô­noma. A história da arte, sendo um discurso institucional, (universitário ou museológico) funciona também como um discurso social, auxilia a formar percepções da realidade. Segundo Ana Paula Paes de Paula, no Brasil, “devido à tradição patrimonialista, os empregos e benefícios que se auferem do Estado costumam estar ligados aos interesses pessoais e não aos interesses públicos” (Paula. 2005.p.106) encontramos, ainda hoje, essas práticas patrimonialistas na área pública. Por que não havia água no local? Foi fechado pelo prefeito para não juntar mendigos. Na sua visão, o que era mais importante do que proteger o patrimônio. Afinal, o que esperar de alguém que despreza a idéia de existência de dinossauros?
Não basta destruir o Brasil, tem que acabar com a memória também! Ver o Museu Nacional queimando é simbólico para um país que odeia ciência e sua própria história.


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