quarta-feira, 16 de abril de 2014

Banksy

Novo trabalho de Banksy. Intervenção de spys analógicos em uma cabine de telefone em Hewlett Road em Cheltenham, um bairro de Gloucestershire, na Inglaterra, onde fica a GCHQ, matriz da Comunicação do Governo.

terça-feira, 15 de abril de 2014

É preciso aprender a ficar submerso




O vídeo "É preciso aprender a ficar submerso" é baseado no poema
"O dia em que gottfried been pegou onda" do escritor Alberto Pucheu

Conersa sobre arte com André Miranda








Como a Arte entrou em sua vida?

Creio que isto já veio comigo. Nasci no bairro do Maracanã, na cidade do Rio de Janeiro, onde hoje voltei a residir e é bem pertinho da Quinta da Boa Vista, um imenso parque, antiga moradia do império brasileiro, onde também está localizado o zoológico carioca. Quase sempre era nosso passeio dominical. Devia ter uns oito anos mais ou menos, mas recordo que funcionava uma escola de pintura ao ar livre, chamada “Colméia”. Ficava admirado vendo aqueles artistas pintando enquanto meu irmão brincava. Disto nunca esqueci, e sempre estimulado pelo meu pai, talvez por perceber meu interesse nas artes plásticas desde sempre.

Como foi sua formação artística?

Considero-me autodidata embora tenha frequentado diversos ateliês de pintura, desenho e gravura. Iniciei minha atividade artística em 1975, na Academia de Arte e Cultura Elzira Amábile, Rio de Janeiro, sendo discípulo de Genia Walisberg. Em 1976 estudei desenho e pintura com Jemile Diban e em seguida com Maria Cecília de Castro Pinto. Comecei meus estudos de xilogravura em 1980 com o gravador Ciro Fernandes e convivi com Augusto Rodrigues, Frank Schaeffer, Teixeira Mendes, Tilde Canti, Marcelo Soares, J. Borges, entre outros. Também estudei xilogravura com Anna Carolina e gravura em metal com Marcelo Frazão e Heloísa Pires Ferreira. Fiz Desenho de Artes Gráficas e Desenho de Propaganda no SENAI/RJ. Morei de 1993 a 1997 na cidade de Três Lagoas, MS, onde ministrei oficinas de Xilogravura em diversas cidades e na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Fui professor de desenho no SENAI Construção Civil Rio de Janeiro em 1999. Faço sempre palestras sobre gravura por todo este país, como Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, Goiás, Recife, João Pessoa, Rio Branco, etc. Fui membro do Núcleo de Gravura do Rio Grande do Sul. Morei na cidade de Curitiba – PR, de 2004 a abril de 2008.

Como você descreve sua obra? E qual seu tema predileto?

Meu tema predileto é sempre o atual. Desde 2003 venho desenvolvendo em minhas xilogravuras o tema cidade, nomeando-as “Xilocidade – memória urbana gravada”. Através desta série, continuo me apropriando sobre o descaso com a memória da arquitetura em muitas cidades brasileiras. São xilogravuras impressas sobre folhas de jornal (offset) retiradas dos cadernos dos classificados. Em anúncios de novos prédios, imprimo elementos da arquitetura antiga antes presente nesses mesmos terrenos em que agora prevalece o novo em sacrifício do antigo. Sem nenhum critério e já há muito tempo, estes antigos casarões – alguns tombados - estão sendo vendidos e cedendo lugar a modernos e esqueléticos prédios. Bairros do Rio de Janeiro, como Santa Teresa, Catete, Tijuca e Centro, ainda tentam manter seus antigos casarões do início do século XIX. Muitas destas maravilhosas construções foram transformadas em pensões na década de 30, quando em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro ainda não havia a especulação imobiliária. Neles residiam jovens estudantes e famílias inteiras que alugavam seus quartos. Muitos imigrantes que aqui chegavam, subiam suas escadarias e encontravam abrigo nestes sobrados onde estava registrada sua história. Encontrei nesta forma de impressão a maneira mais poética de chamar a atenção para este problema urbano. Fica aqui estampada minha reflexão.

Para alguns, o papel como suporte não serve para o clima do Rio de Janeiro, o que você pensa sobre o assunto?

Puro preconceito e falta de conhecimento. Nosso clima não é desfavorável ao papel como muitas cidades do sul do país.

É possível viver de arte no Brasil?

Não é fácil e trabalhar com obra tendo como suporte o papel, pior ainda, (risos). Muitos fatores envolvem esta questão. Persistência e disciplina. Acreditar no que faz e jamais desistir. Foi assim comigo, e vivo da arte e para Arte, especificamente da xilo.

Que exposição você considera a mais significativa?

Sempre a última, entretanto, em 2011 fiz uma grande mostra intitulada “Viva a Gravura”, comemorativa pelos meus 30 anos de trajetória na gravura, com mais de 120 obras, datadas de 1981 a 2011, no Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul, na cidade de Campo Grande, para onde doei todas as obras.

Você tem uma enorme coleção de gravuras de vários artistas, há projeto para mostrá-las ou produzir um livro?

Nunca pensei em livro ou exposição desse acervo que venho colecionando há mais de 30 anos. São gravuras e desenhos que fui ganhando ao longo de minha vida, trocando minhas obras com colegas e amigos. Não é uma coleção de colecionador profissional, digamos assim, não é tão importante hoje para merecer um livro, mas uma mostra até que não é má idéia. Não a quero reter este acervo, e penso em doá-lo para algum museu que preserve esta memória. Hoje somam mais de 500 obras, entre desenhos e gravuras de importantes artistas nacionais e até alguns estrangeiros.

O que é necessário para ser um ícone nas artes plásticas?

Ser você mesmo no que faça, não importando modismos ou regras de marchands. O tempo irá se encarregar do restante.

Quais são seus planos e sonhos para o futuro?

Continuar trabalhando e levando minha obra por este mundo afora – a Xilogravura, como sementes ao vento que breve estarão sendo germinadas pelos que por mim passaram.

André, querendo acrescente o que considerar importante. O espaço é livre.

Por que gravura?

Penso que a gravura seja a arte mais democrática de todas das artes visuais, entretanto não foi este o motivo pelo qual escolhi a gravura como meu fazer artístico. Foi paixão a primeira vista, foi amor, e amor não se explica. Amo a xilogravura há pelo menos 32 anos.
Conheci em 1981, no Rio de Janeiro, o gravador Ciro Fernandes. Ele ocupava uma das salas do ateliê de Maria Cecília de Castro Pinto, no secular sobrado da baronesa de Mauá, transformado em ateliê, na Rua Santa Alexandrina nº 445, no bairro do Rio Comprido. Era eu aluno de pintura e desenho de Maria Cecília. Ciro, na época, imprimia de maneira artesanal, com tipos móveis, um álbum ilustrado em xilogravura para o poeta amazonense Thiago de Mello: “Horóscopos para os que estão vivos”. Ciro tinha prazo para entrega e assim como Thiago, observando meu interesse e entusiasmo pelo trabalho, convidou-me para participar da produção. Deu-me um pedaço de cedro rosa, uma goiva de vareta de guarda-chuva, por ele fabricada, e me disse: “Corta aí!” Esta goiva, de excelente aço, ainda é por mim utilizada. De lá prá cá nunca mais parei.
Através da xilogravura conheci cidades, pessoas, fiz amigos e até amores. A xilo proporcionou-me o primeiro prêmio internacional. Vivendo com sacrifício, muitas vezes necessitando fazer escolhas difíceis, a gravura é “a única que vale a pena”, prefaciando Goeldi. A xilogravura é meu alimento espiritual diário. É com a xilogravura que me equilibro. Xilogravar pra mim é rasgar, cortar, desarraigar uma superfície que resiste. E quanto mais resiste mais decisivo será a marca deixada.

Quando ministro oficinas de gravura no interior do país, e mesmo em capitais, fico feliz ao observar o interesse dos alunos e a continuidade que dão ao trabalho. Este despertar do aluno, minha paixão pelo trabalho atestam meu compromisso em não deixar morrer a xilogravura. Entre outros Estados, dei oficinas em Rio Branco, no Acre, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, etc, e constatei sem exceção, a alegria das pessoas ao verem sua primeira xilogravura impressa. É um momento único, inesquecível, jamais abandonam esta técnica milenar e cada um com sua própria poética.
Vários instrumentos agridem a madeira: o prego, o buril, a goiva. Minha experiência pessoal dá preferência a toda sorte de goivas e madeiras. Cada corte, cada golpe da goiva estabelece um equilíbrio. Cada corte e definitivo. Um pedaço arrancado depende de outro pedaço arrancado. Houve época que experimentei outras técnicas de gravação, mas foi com a xilo que minha poética se construiu, e é com ela que me identifico.
Estou convencido de que todo meu tempo é curto para desenvolver outros meios. Gravo, praticamente, todos os dias a 30 anos e acho pouco tempo. A obra não tem fim e a cada dia desenvolvo uma maneira de ver e sentir diferente. Acho isto maravilhoso, a xilogravura dá um enorme prazer, uma imensa alegria de viver.

Quais são suas principais afinidades com o material para se desenvolver um trabalho artístico?

Sou um apaixonado pelo que faço. Adoro a madeira, qualquer madeira me interessa. Algumas, de tão bonitas, fico sem coragem de gravá-las, como dois discos de guatambu, madeira raríssima utilizada no passado para xilogravura de topo, e que me foi presenteada pelo gravador Marcio Panunzzio, que produz suas obras somente em xilo de topo. Também uso, vez por outra, o linóleo, coisa rara nos dias de hoje, e encontro somente um similar, o neolite, fabricado para solados de sapatos e que produz o mesmo efeito plástico. Procuro não brigar com o material. O importante é ter boa ferramenta, sempre afiada, e o trabalho se desenvolve sem problema.Também penso que o suporte influencia sua poética, sua criação. Posso usar um material medieval e estar criando. O fundamental é a obra, não a variedade ou novidade dos materais.

Fale sobre a imposição da técnica no processo de criação da gravura.

Dependendo da técnica que você faça uso, acaba entrando numa verdadeira cozinha. Acho importante conhecer a técnica: saber afiar uma ferramenta, tratar o material com carinho. O Iberê Camargo, por exemplo, só permitia que o aluno iniciasse um cobre quando a placa estivesse como um espelho. Na xilo mais tradicional, a madeira precisa estar como “bunda “ de neném e as goivas super afiadas. Já vi muitos artistas desistirem da xilogravura por estarem com as goivas cegas , não sabendo amolar, brigava com os instrumentos criando calos na mão e ferindo-se. O processo de criação apesar disso tudo, independe da técnica utilizada.

Há regras a serem seguidas sem prejuízos ao ato criativo?

A única regra que deve ser seguida é a disciplina. A gravura é assim, sem disciplina não se tem bom trabalho. O ato criativo é uma experiência direta na sensibilidade individual, única e insubstituível na obra de arte. Falo na disciplina em termos de organização e limpeza da obra e na obra. A gravura exige também uma parte burocrática maçante, mas importante, que é o registro das cópias, a ficha técnica, as provas de estado. Como toda gravura, já que diferente da pintura, se errar nem sempre consegue correções. Na gravura não se pode ter pressa, o trabalho transcorre aos poucos, mesmo tendo estudos preliminares, croquis diversos e anotações variadas. Na gravura em metal, tem o fator tempo, importantíssimo, se está frio, se está quente, etc. Cada técnica na gravura tem seu mundo particular e sua vida própria.

O que pensa sobre o olhar do público em relação a sua gravura?

Todo espectador participa de uma obra na medida em que esta mobiliza a sua sensibilidade. Vejo com meus olhos e não com o olhar do público.

Qual tiragem ideal para que a gravura mantenha seu valor artístico?

Este assunto de tiragem é argumento de mercado. Evidente que a gravura por ter múltiplos e quase sempre foi sua função, o preço cai. Ganha quem especula! Já fiz edições de 100 como de apenas 10 cópias, mas nunca por questões mercadológicas. Uma xilo, dependendo do objetivo, que deu imenso trabalho na impressão pode ter menos cópias, já que não faço uso de prensa, todas são impressas pela tradicional colher de pau. Toda tiragem é relativa. Possuo xilogravuras com tiragens de 30, 20 ou 10 cópias e deram o mesmo trabalho.
Atualmente, numa série iniciada em 2003 a qual nomeei “Xilocidade – memória urbana gravada”, imprimo em anúncios coloridos retirados dos classificados de jornais. A matriz é única, entretanto, mudando o fundo escolhido minuciosamente, torna-se uma cópia única; fica uma diferente da outra, mesmo sendo impressa a mesma matriz geradora daquela imagem. Possuo um fichário onde registro todas as gravuras, desde a primeira em 1980. É uma ficha técnica com todos os dados, com a vida e a história de cada gravura; a que acervo pertence, dimensões, tipo de papel usado, exposições em que participou, etc. Caso contrário, perde-se a credibilidade da cópia numerada. Acho isso de suma importância para quem faz gravura, independente da técnica em pregada, desde que tenham múltiplos. É a história daquela gravura, daquela imagem.
Sei que a maioria dos artistas gravadores, são poucos organizados nestas questões; na gravura, é fundamental anotar quantas cópias foi tirada na edição, numerá-las para não correr o risco de repetir tal numeração.
Há quantificação ideal para cada técnica empregada? Sem levar em conta o valor de mercado do artista, por exemplo: uma fotografia vale menos que uma água-forte?
A quantidade em nada tem haver com a qualidade. Por mais que se queira, uma cópia nunca fica exatamente igual a outra, somente através de outros processos gráficos. A arte cria, a técnica fabrica. Não importa a técnica e sim a qualidade. É desde o papel que você usa, a tinta, o corte, a composição e uma infinidade de fatores.
“Acho a xilogravura a técnica mais difícil de se conseguir uma boa expressão”, palavras da gravadora Anna Letycia, e concordo com ela. A xilo parece simples, fácil de executar, mas não tem acasos, cortou “já era...” A xilo é direta. Aprende-se a fazer xilogravura em uma semana e leva-se um ano para fazer uma xilogravura. Não existe esta ou aquela técnica que vale mais. Entretanto, uma boa gravura vale muito mais que uma pintura medíocre. Algumas técnicas de gravura não lhe permitem uma grande edição, como o caso da ponta seca, mas isto, não faz com que seja mais importante que outra.

Como chegou à gravura e o que essa técnica significa para sua expressão artística?

Sou um apaixonado pelo eu faço e amo a xilogravura, ela me é vital. Frequentei muitos ateliês de gravadores, aprendi com colegas, com os mestres, vendo, observando como trabalhavam. Quando morava no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, procurei Newton Cavalcanti; residente no mesmo bairro, grande mestre da xilo, foi aluno de Goeldi, para umas orientações. Levei algumas gravuras. Após examinar os trabalhos cuidadosamente, um por um, disse-me: Não tenho nada para te ensinar, vá produzir!” Devo muito a Anna Carolina de quem fui aluno: o amor pela xilo, dedicação ao trabalho e principalmente a concepção que fazer Arte é amor.

Qual das técnicas em gravura você prefere?

Sem dúvida a xilogravura. Passei pela gravura em metal, aluno de Heloisa Pires Ferreira na oficina de gravura do Sesc Tijuca - Rio, e com Marcelo Frazão na Escolinha de Arte do Brasil, onde Goeldi lecionou, no Rio de Janeiro. Gostava daquela cozinha, dos vernizes, etc. Mas a xilo sempre me despertou mais interesse. A xilo você pode fazer em qualquer cantinho de sua casa, até mesmo na mesa do boteco, no colo, em qualquer espaço. Outras técnicas você necessita de espaço, prensa, lugar ventilado para os ácidos e uma infinidade de materiais. Foi e continua sendo até hoje; na xilogravura consigo um bom resultado para minha criação, minha força de expressão, minha poética.

Qual desenvolve hoje com mais precisão?

A xilo, sempre a xilogravura. O desenho também me é sempre necessário como um ato religioso, como uma oração, um elo de ligação como qualquer meio. Sem desenho nada existe, mesmo mentalmente você desenha sempre. É a linha construindo e fazendo materializar o que você pensa, o eu você vive.

O que pensa da arte como forma de expressão?

A obra de arte enriquece o mundo do homem. Acredito na Arte. Nas sociedades ditas primitivas, a arte e homem era uma coisa só. A arte deveria ser usada por todos no cotidiano; alimento indispensável, sem ser, porém, uma consumação telecomandada. O artista é parte do processo de seu tempo.

O que pensa da arte como forma de sobrevivência?

Como disse anteriormente, gravo por uma questão de necessidade vital. Sobrevivo e vivo da Arte e com a Arte. Não sei fazer outra coisa. Amo o que faço!

O que pensa da arte como valor de moeda?

A arte é minha profissão, portanto, é um trabalho como outro qualquer e tem seu preço.

Sua arte preocupa-se com questões políticas?

A arte pode ter uma função política, embora não precise me preocupar muito com isso. Minha expressão parte de uma visão da vida. Absorve todos os conteúdos de vida do homem. O artista pode usar qualquer assunto como motivo e transformá-lo em arte. O que vale é a realização. O artista é a expressão de seu tempo, dá testemunho de seu tempo, de sua época. Gauguin quando mudou para Noa-Noa teve uma atitude política.

A arte inserida em um contexto sociológico é arte engajada?

Pode ser. O artista é produto de sua época.

Quais principais influências em sua produção artística?

Toda influência parte de uma seletividade natural do indivíduo, e cada indivíduo é único. É preciso distinguir, ou seja, saber distinguir entre imitação e influência. Tive influência direta de certos artistas com os quais me identifiquei e continuam me influenciando, sem contudo copiá-los. Quando percebo isto, fico em pânico, e retomo o trabalho. Acho válido fazer “releituras” das obras dos grandes mestres ou de quem mais você se identifica. Em todas as épocas foi assim. Muitos artistas ficavam nos museus copiando as obras para estudar e entender como fizeram isso ou aquilo. Influenciaram-me Gauguin, Cézanne, Picasso, Matisse, Käthe Kolwitz, Goeldi, Livio Abramo e muitos outros. Bebo e todos beberam desta fonte inesgotável! Em 2003 fiz uma xilogravura em homenagem aos 100 anos de nascimento de Livio Abramo. Utilizei alguns buris que haviam sido dele e fiz uma composição baseada em sua obra. Mandei para um salão de gravura na Espanha e sem esperar, fui premiado. A energia do Livio estava ali, acredito nisso. A influência é inevitável. Nenhum artista vive no vazio. Matisse dizia que “enquanto os artistas se interessarem por minhas idéias e pelo meu trabalho, não estaremos mortos”. Cada artista é nutrido pelo fazer dos seus antecessores.

Como é seu processo de trabalho para transferir a criação para a gravura?

Poucas vezes faço um croqui antes de iniciar uma xilo. Costumo e já acostumado estou, com o procedimento inverso do desenho na matriz, fazendo diretamente na placa. Penso como xilo e esta, tem uma linguagem própria, diferente do desenho, caso contrário seria um desenho gravado. Vejo o mundo como xilo. A vida é um entrelaçamento de muitos fios.

Como se dá o seu processo artístico?

Trabalho diariamente, logo pela manhã. Tenho o hábito de acordar muito cedo. Faço café e vou trabalhar. Quando tenho um trabalho em aberto, quase sempre, e necessito que ele “descanse” um pouco, faço outro e outro, retornando posteriormente àquele que não encontrava solução. Tenho enorme curiosidade em vê-lo pronto, fico satisfeito na maioria das vezes ou me assalta um doloroso sentimento de frustração, pelo resultado insatisfatório. Sinto como se estivesse criando pela primeira vez. Quando trabalho, esqueço o mundo.

A seu ver como está a gravura hoje, dentro dos aspectos mercadológicos, técnicos e criativos?

A gravura sempre teve seu espaço. Aliás, a xilogravura deveria ser a mais conhecida das técnicas. Ela foi criada para reproduzir e multiplicar imagens. No estrangeiro, muitas galerias comercializam gravura; no Brasil poucas trabalham, inclusive com arte sobre papel e raras são as especializadas. Antigamente as grandes empresas encomendavam aos artistas gravadores uma tiragem para presentear com uma gravura, como brinde de final de ano aos seus melhores clientes. Hoje, a maioria prefere oferecer uma garrafa de vinho ou panetone. Os hotéis compravam muito para decorar seus quartos.
Vendo bem para os EUA. Principalmente, através da internet por um marchand. Aqui a gravura se elitizou talvez. Muitos fazem confusão da gravura com estampa. A variação dos processos gráficos, também faz confusão no público. Muitos artistas chamam de gravura tudo que gera cópia, até Xerox virou gravura, assim como monotipias. Isto a meu ver está errado. Vamos dar nomes aos bois. Uma coisa é processo gráfico, outra é gravura. Como falava o mestre Osvaldo Goeldi, gravura é aquilo que é gravado. O próprio inventor da litografia, Salois Senenfelder (1771 – 1834), dizia que litografia não era gravura. Mas isto não invalida nem torna menor uma ou outra. Já vi belíssimas monotipias, melhores que muitas xilogravuras, mas não é gravura. Também visitei exposições intituladas de gravura, estando expostas plotagens. Como pode? Cada técnica tem seu nome. Fora do país a gravura tem mercado, tem respeito. Aqui existe o preconceito da obra sobre papel como suporte, preconceito ao múltiplo, etc. No exterior, a gravura brasileira tem muito prestígio, é muito respeitada. Participo sempre de bienais de gravura, recebendo prêmios em euros. Os museus se interessam pela compra da edição completa e da matriz finalmente cancelada. Só na Espanha existem mais de trinta salões e bienais de gravura. Japão e Polônia idem. Muitas galerias comercializam gravura, e aqui no Brasil, poucas trabalham com arte tendo como suporte o papel, e raras são as especializadas. Temos em São Paulo apenas a Graphias e a Galeria Gravura Brasileira. Até as oficinas andam escassas, desestimulando artistas por não terem como sobreviver da venda de suas obras, partindo para outras técnicas de arte. Em nosso país, são pouquíssimos e raramente tem salões somente para gravura. Nos principais salões oficiais de artes visuais, a gravura fica de fora, apesar de poder participar enviando gravura, sendo em sua maioria, inclusive os premiados, vídeos, instalações, objetos e como diria Danúbio Gonçalves, toda parafernália das viúvas de Duchamp.
Ministro muitas oficinas de xilogravura e tenho tido muitos alunos saídos das universidades federais que não sabem afiar uma goiva, desenham pouco, desconhecem papel, e na gravura em metal, não sabem preparar uma chapa. Num dos cursos que dei, uma professora de gravura com mestrado e doutorado me disse que não usava buril raiado e não fazia xilo porque não sabia amolar as ferramentas. Em pequenos minutos de papo, ensinei, e ela voltou a fazer xilogravura. Só se vê teoria, e muito blá blá blá, mas pouca prática.

Os processos técnicos da gravura só evoluem quando o artista os transgride, e só seus futuros estudantes passam a considerá-la inserida. O que você diz sobre isso?

Acho válida toda forma de expressão plástica. Experimentar sempre. De tempo em tempo uma nova maneira de fazer esta ou aquela técnica vai aparecendo. A xilogravura continua sendo feita da mesma maneira há mais de mil anos, entretanto com a vinda de novos procedimentos gráficos, vai sendo ampliada, mas o fazer, este continua o mesmo. O uso do material não tóxico para a gravura em metal tem sido bem desenvolvido no Brasil, e somente o tempo dirá algo.

Você considera o temário de seu trabalho interiorizações ou exteriorizações da arte?

Como disse, não é o tema que impulsiona o fazer artístico. Ele é o retrato de sua época, de sua vivência com o mundo.

Por que produzir? No que isso melhora sua existência?

Não sei fazer outra coisa. Já nem tenho mais onde colocar tantas gravuras, desenhos e até pinturas. A mapoteca e pastas estão sempre repletas, produzo praticamente todos os dias, é uma compulsão. Já destruí muita coisa como se estivesse limpando minh’alma. Hoje já não jogo nada fora, aproveito tudo. Meu tempo é curto para produzir tudo que gostaria. Deixo muitas vezes de passear, ir a festas, para estar no ateliê produzindo. Mesmo não desenhando, gravando ou pintando, preciso estar no ateliê arrumando, organizando material, revendo desenhos e xilos. Meu objetivo é criar e produzo na tentativa de ser meu objetivo.

Fale de suas formas de expressão.

Minha expressão maior, minha verdadeira linguagem é a xilogravura. É com a xilo que construo, falo, grito e me equilibro. É nesta técnica milenar que encontro soluções para meu espírito inquieto. O desenho é muito importante, está sempre lado a lado de qualquer técnica que uso. Desenho é a espinha dorsal de qualquer obra de arte. Uma obra cujo desenho não foi elaborado, pensando em composição; claro e escuro, forte e fraco; torna-se desestruturado e desequilibrado. Desenho é linha, e me dá enorme prazer desenhar.

Fale de sua linguagem simbólica.

Faço do símbolo um signo (sinal) e do signo um símbolo. Represento graficamente a época em que vivo.

Fale de sua plasticidade.

Continuo e espero continuar estudando para melhor desenvolvê-la.

Qual foi seu principal percurso como artista?

Tive a sorte e diria mesmo, o privilegio em ter conhecido e convivido com alguns grandes mestres da gravura e das artes visuais no início de minha trajetória, como Iberê Camargo, Carlos Scliar,Augusto Rodrigues, Quirino Campofiorito, Newton Cavalcanti, Danúbio Gonçalves, Samico, Livio Abramo, Anna Carolina e muitos outros. Alguns se tornaram amigos pessoais. Lamento não ter conhecido Oswaldo Goeldi, já que faleceu quando eu apenas tinha apenas 4 anos de idade. Fui aluno também do gravador Marcelo Soares e J.Borges. Considero-me autodidata, embora tenha passado por muitos ateliês de gravura, desenho e pintura.

A técnica está a serviço do que você pretende como criador ou apenas é um suporte de menor valor?

O artista não pode condicionar sua criação aos materiais, só pelo fato de serem modernos ou antigos, maiores ou menores. Minha expressão principal é através da xilogravura e trabalho nesta técnica como foi criada há mais de mil anos. Sou fiel à xilo. Pouco uso a prensa para imprimir minhas gravuras, gosto da textura da madeira aparecendo na obra, participando da composição. Gosto da suavidade em que a velha colher de madeira ou osso desliza sobre o papel japonês. Tenho uma pequena coleção destas colheres, de todo tamanho e tipo. Conheço alguns gravadores que imprimem suas xilos na prensa, e a gravura fica toda chapada, sem a leveza e transparência que a xilogravura proporciona.
Faço também uso do buril raiado, por exemplo, dependendo da madeira utilizada - se for cedro ou até mesmo o mogno vermelho, a prensa poderá danificar as finas linhas gravadas. A xilo é única, cada matriz é única, não existe uma árvore igual à outra, mesmo sendo da mesma espécie, tem sua impressão particular gravada em seus veios. A colocação da tinta na matriz também é importantíssima. Só o tempo e a prática que irá descobrir pelo barulho do rolinho de borracha à tinta que saberá a quantidade correta de passá-lo na matriz. Muita tinta entope as linhas, as cicatrizes naturais da madeira. Já vi gravuras impressas com tanta tinta que mais parecia glacê de bolo de padaria. Procuro não brigar com a matriz, respeitar cada detalhe que a natureza oferece.

Conte-nos sobre seus processos de trabalho.

Assim que acordo, muitas vezes antes do sol nascer, vou direto para o ateliê. Começo revendo o trabalho do dia anterior, leio, mexo e remexo nos muitos livros e catálogos de arte, desenho, e ligo o computador para ler e responder os e-mails. Mas não tenho uma rotina específica. Quando não estou com nenhum trabalho em mente, revejo as pastas, mapoteca e cadernos de desenho para surgir algo a partir daquilo, mas não existe uma regra. As madeiras estão sempre lixadas, preparadas para uma nova xilo.

Como escolhe suas temáticas?

Minhas temáticas sempre foram desenvolvidas pelo meu fazer artístico diário. Um trabalho chama outro e outro. Após esgotar um tema, através dele surge outro. Acho que é um complemento do outro, um fio de ligação. Nunca digo: “Ah.... vou desenvolver este tema tal, etc...”, acontece. Não busco o tema, ele que me acha e o desenvolvo. Numa obra de arte, o tema é secundário, mas qualquer tema pode ser aproveitado. Minha temática é variada, não fico preso a um tema específico, salvo quando tenho uma encomenda de ilustração ou para uma exposição coletiva temática. Normalmente trabalho até que aquela temática se esgote. O artista dá testemunho de seu tempo e o tema surge. Meus modelos, minha temática é o mundo que me rodeia, a minha vivência.

Considera sua produção satisfatória, ou poderia estar produzindo mais, caso as questões de mercado fossem diferentes?

Não produzo por dinheiro, mas é evidente que ter um retorno financeiro é importante. Fazer gravura, ou qualquer outra atividade artística nesse país é complicado e só faço isso porque amo a xilo. Não me preocupo em produzir para vender o que faço, entretanto, é minha profissão e preciso sim, vender para viver, pagar minhas contas, comer e até mesmo comprar materiais. A venda é uma conseqüência, sem obra, sem produção, a venda não existe. Tenho preferido ver meus trabalhos em acervos de museus do mundo inteiro do que apenas fazer exposições para acrescentar linha em currículo. Alguns importantes museus deste país possuem minhas gravuras em seu acervo, onde a obra será preservada e nossa história registrada. Viver da gravura, qualquer gravador sabe como é complicado vender. As galerias preferem vender telas, e no Brasil existe muito preconceito pela falta de informação do público e até mesmo de artistas, sobre a arte tendo como suporte o papel. Trabalho diariamente e a produção cresce. Na vida, você nunca sabe quando está fazendo seu último trabalho.

Considera-se artista pelo volume e conteúdo do que já produziu?

Creio muito no conteúdo da obra. Ouvi dizer certa vez, não me lembro quem falou e aonde, que toda sua vida você só faz um trabalho, o resto e continuação do primeiro, será? O mais importante é trabalhar, e farei sempre!

quinta-feira, 10 de abril de 2014

terça-feira, 8 de abril de 2014

Arte cartográfica



Ótima sacada do símbolo da 10ª Bienal ADG. Podemos chamar de arte Cartográfica. Confira!

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Luciane Nicolino também ouve André Barroso e banda

A cenógrafa da Rede Globo e diretora de artes nos brindou com essa foto flagrante que está ouvindo André Barroso e banda!

Lisa & Rô 26