quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Arte na mira do simplório

Estamos próximos da reapresentação do quadro Independência ou morte (1888) do fantástico pintor Pedro Américo em São Paulo, no museu do Ipiranga. Faz alguns anos, desde 2013, que o museu começou o projeto de reforma do museu e consequentemente, o restauro do quadro icônico do artista. Uma tela magnífica de 7 metros de largura por 4 metros de altura, teve uma restauração digna do valor histórico e pictórico do quadro. Restabeleceram a pintura original do céu, limpando os amarelecimentos, olhando a química e física das alterações, além da espectrometria.  Um trabalho que demorou anos no trabalho de restauro e mais outros anos de projeto. O resgate da obra, já por si só, já é importante pela qualidade do trabalho e sem contar o valor inestimável histórico. Essa é uma boa notícia.
Mas não é compartilhada por um governo que não apoia a cultura e uma parte da população que não vê a cultura como essencial para formação de um povo. Uma população que não valoriza e protege sua arte, está fadada a extinção. Me lembra o Estado Islâmico destruindo esculturas milenares, que além do valor histórico, representavam uma civilização do passado, viraram pó através de bombas, acabando com o vestígio de existência daquele grupo secular. Nada mais triste que destruir uma obra de arte, por motivos mais torpes ainda. Não estamos muito longe disso, com o desprezo dado a toda cultura. Acabar com a Biblioteca do Senado, deixando os livros históricos a própria sorte, para transformar em sala para a primeira dama, demostra a falta de apreço por cada símbolo.
Isso é muito grave, por que aqueles que apoiam a barbárie estão se multiplicando. O que antes servia de pretexto para acabar com terreiros de religião afro, se disseminou para as artes de uma maneira geral. Mentes saindo do país, cientistas que estão migrando para trabalhar em outros países e suas descobertas serem de outro país, são a normativa do momento.
Uma estátua de 400kgs e de quase dois metros foi furtada na praça Paris, na Glória. A obra, retratando a mãe do Marechal Deodoro, era uma imponente peça de bronze, que a princípio pode parecer loucura alguém conseguir roubar uma estátua dessas dimensões, mas a poucos anos não roubaram vários trens da supervia e o caso mais espetacular, as vigas da perimetral, muito maiores, que até hoje não teve uma solução do caso e nunca haverá. Como confiar uma obra de Picasso visitar o nosso país nessas condições? Se roubam o balão de Papai Noel gigante sem valor, como ficam as obras verdadeiramente importantes do país? Me custa crer, na condição de entender o valor da arte, uma coisa dessas acontecer. Para alguns, lembrou o filme “Uma noite no Museu”, onde a estátua pode ter se levantado e fugido...
Acho que o mais chocante foi a notícia que uma equipe de artes de uma emissora evangélica (Record) pintou de branco uma arte pré-histórica rupestre preservada durante séculos em Diamantina, Minas Gerais. Aqueles que conhecem e provavelmente se formaram em artes cometerem um assassinato dessa magnitude. Mas não se trata de formação ou conhecimento, mas de índole. A Serra do Pasmar que foi considerada de alto valor arqueológico, patrimônio da Unesco tem registros arqueológicos de até 4.000 anos, logo a multa para emissora, foi o troco de um cafezinho. Resistiram a todas intempéries, grileiros e capitalistas, mas não resistiu a ignorância humana.
Não dá apenas para tachar de ignorante, pois aqueles que conhece o valor de uma obra, ainda assim o fazem por ganancia ou narcisismo. São arrogantes e prepotentes. Acreditam que são os únicos detentores de uma existência incrível que está muito acima dos demais mortais. Tudo podem. Nessa e na outra vida.
Me lembra de um musical do Woody Allen, cantada por um morto. Enjoy yourself it’s later than you think. Nada mais me assusta nessas notícias. Me constrange e me entristece demais. Dá uma certa vontade de fazer arte para quem valoriza a arte, mas arte é também resistência. Por isso continuo meu trabalho sem medo. Tá certo, o cabelo do Trump me assusta

Charge da semana


Tiras no Correio da Manhã



Agora as tiras VIDA TOSCA estão saindo todas assextas no jornal impresso Correio da Manhã, acopanhado das tiras do grande Nani e Netto.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

O Oscar e a mensagem


Não me lembro a primeira vez que vi uma cerimônia do Oscar. Ela sempre existiu para mim. Como as TVs abertas não televisionava outras premiações tão importantes quanto essa, me acostumei a tê-la como a cerimônia mais importante do cinema. O mundo mudou. O que antes se via em um canal, preto e branco, com um apresentador único, pouca diversidade e um espetáculo por vezes brega, viu o sinal dos tempos bater à porta. Ampliamos nossas opções que foram para os canais pagos, com sessão ampliada para o Red Carpet, tendo hoje opções mais variadas pela internet para acompanhar. A única coisa que não mudou, foram os bolões. Desta vez quase gabaritei.
Depois do ano passado, com a abertura acertada do Queen, tivemos uma grata surpresa com a apresentação de Janelle Monáe com dançarinos inspirados por Mr. Rogers, Midsommar, Coringa, Nós e mais. A cara de espanto de vários astros, mostra o quanto essa noção brega elegante tem que acabar. E a apresentação de Janelle, que envolve a todos, abraça o público é uma novidade muito boa com direito a um lá lá lá da Brie Larson. Essa incrível participação ajuda muito em transformar em um verdadeiro espetáculo. O show surpresa e atrasado do Eminem foi ótimo e deixou a todos de boca aberta. O cantor cantou "Lose Yourself", vencedora na categoria de melhor canção original em 2003 pelo filme "8 Mile: Rua das Ilusões". Só que, Eminem não compareceu à cerimônia naquela época. Antes tarde do que nunca.
De todos os indicados, a disputa mais forte foi de ator coadjuvante. Entre Joe Pesci, por O Irlandês, Al Pacino, por O Irlandês, Anthony Hopkins, por Dois Papas, venceu Brad Pitt, por Era Uma Vez em... Hollywood. Apesar de ter levado todos os prêmios por esse papel, poderíamos ter uma surpresa. Brad é um excelente ator desde Os 12 macacos. Ele faz um bom papel, mas o personagem criado por Tarantino é o crème de la crème. O personagem é cativante. Você sente uma grande empatia pelo personagem e fica torcendo por ele, poisse tratando de Tarantino, nem herói pode ficar vivo no final. E como o próprio ator, ao receber o prêmio, fala desse único contador de história, quase que solicitando ao mundo que não abandone o cinema, faço dele minhas palavras. Que filme genial. E o que dizer de O Coringa? Melhor filme baseado em quadrinhos feito. Atuação de Oscar. Merecida vitória e discurso esperado sobre proteção da natureza. Joaquin Phoenix eternizou novamente o personagem, que achávamos que não haveria nada melhor que Heath Ledger, que também ganhou Oscar por sua interpretação.
Uma das mudanças não veio da organização. Veio dos indicados. Muitos filmes com representatividade, diversidade, igualdade foram premiados como o curta de animação Hair Love (sobre cabelos afros), Hildur Guðnadóttir compositora da trilha original do O Coringa (que falou sobre ter mais mulheres em todas as categorias do cinema) ou nos discursos onde falaram de desigualdade e inclusão, como do Chris Rock ressaltando que no primeiro Oscar, não havia nenhuma indicação, em nenhuma categoria, de negros. Hoje, quase 100 anos depois, apenas uma indicação. Teve slogan socialista "Trabalhadores do mundo, uni-vos!". Academia finalmente rompeu a barreira das legendas e dos temas polêmicos políticos críticos e sociais esse ano.
A grande emoção, a grande representatividade de verdade, se deu com a conquista maravilhosa de Parasita nas categorias mais importantes. Um filme de cunho social, importante para ser falado, com direção envolvente, conseguiu a proeza de vencer como melhor filme e melhor filme estrangeiro, com um filme todo falado em coreano. Talvez as expectativas deles fossem de vencer pelo menos uma categoria. A grata surpresa para todos foi que foram além. A cara da hoje ativista Jane Fonda quando leu o vencedor foi impagável. Nunca ninguém ganhou Cannes e Oscar de Melhor Filme, Direção, Roteiro e Filme Estrangeiro. Bong Joon Ho, o diretor, falou: "Quando vocês superarem as barreiras de filmes com legendas, conhecerão muitos filmes incríveis". E é verdade. Estamos vendo essa ascensão.
Finalmente, toda minha reverencia a Petra Costa, Cineasta que dirigiu ELENA, Olmo e A Gaivota, e Democracia em Vertigem. O filme mais importante do Brasil que competiu no Oscar, que revelou o golpe no país ao mundo teve apoio de muitas pessoas importantes pelo mundo. O filme é um orgulho para um país assaltado.




André Barroso e banda no MegaRock


André Barroso e banda, primeiro CD solo de André Barroso saiu em uma resenha da revista Megarock. O primeiro CD, produzida pela Astronauta Discos, ainda é um sucesso entre o pessoal do rock. A revista ainda apresenta entrevista com Clemente. Parabéns aos editores

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Regina Duarte. Mais do mesmo


Numa última cartada, depois da destituição do secretário especial de cultura Roberto Alvim por apologia ao nazismo, coloca Regina Duarte como nova secretária da pasta. Vi um movimento de Bolsonaristas comemorando a nomeação como assertiva. Ser explícito ao nazismo não é bom, pois existem grupos judeus que apoiam o governo. Um global foi a solução, porque sempre comove a população, mesmo sabendo que além de inexperiente, está servindo aos propósitos de quem não quer atuação da cultura no país. Uma cultura viva, reflete seus anseios e em um momento de repressão a opinião não é viável apoiar aqueles que precisam falar. Não importa quantas pessoas forem trocadas do cargo, nenhum deles nesse governo fará algo que abrace a todos, pelo contrário, quer cabresto e financiar apenas aqueles que falam bem de seu governo. Quem quer manter a ordem, quem quer criar desordem?
A ligação entre integralistas e Bolsonaro se dá desde a nomeação de um ativista da Frente Integralista Brasileira (FIB) como assessor de ministério à participação na base do governo. Colocar alguém tão evidente, foi um teste se poderia ser tão explícito ou o melhor seria escamotear com alguém de aceitação popular. Venceu obviamente a segunda opção.  Somente a figura de Regina, acalmou os setores de extrema-direita que veem nela, alguém que possa fazer o mínimo e ser aceita na sociedade.
Lembra um pouco a figura de Clare Boothe nos EUA.  Ela foi a primeira mulher americana nomeada embaixador no exterior. Autora, seu trabalho variou de drama a ficção, jornalismo e reportagem de guerra. Foi casada como o dono da revista Time. Era uma figura que disseminava o conservadorismo, mas tinha aceitação popular por ser uma celebridade. Bastou ser nomeada, com aceitação da população que arranjou problemas em Roma, pois interferia na política interna do país, sendo mais antidiplomática que qualquer americano (Lembra alguém?). Clare foi uma guerreira de Deus e dos ricos, e fez tudo para tirar os Bolcheviques da Itália.
O histórico de Regina, que na frente das telas era considerada a namoradinha do Brasil, chama a atenção pela falta de doçura quando se trata do agronegócio. Ela apoiou produtores rurais no tocante à demarcação de terras indígenas e quilombolas. “O direito à propriedade é inalienável”, disse. Amiga do grileiro Herbert Spencer Miranda Carranca, este tem o histórico de ser extremamente violentos com os povos indígenas. Em 2011, foi flagrado destruindo 4 mil hectares de floresta em terras indígenas da etnia Ayoreo, no Paraguai. A truculência verbal de Regina, chamou a atenção dos setores ligados ao governo, vendo que alguém alinhado com suas ideias e querida na população, pudesse encerrar as discussões em torno da cultura no país.
Ledo engano. Mal foi empossada, já se envolveu em postagens demonstrando desconhecimento geral e a mais polemica, foi envolver, o que ela chamou de apoiadores de sua nomeação, em uma postagem que gerou indignação da maioria dos incluídos. O motivo de cada um particularmente é uma discussão à parte, mas usar a foto dessas pessoas, sem uma devida autorização é a marca desse governo. Pior, é uma secretária de cultura, se utilizar de uma música de Guarabyra sem permissão. Quem trabalha na pasta de cultura, no mínimo, deve respeitar os direitos autorais do autor e ainda defender. Só por esse mínimo, já se sabe o que virá por aí. Com o tempo, a truculência vai aparecendo e deixando bem nítido suas posições. Clare Boothe foi no mesmo caminho, flertando com nazismo e crescendo interiormente de uma conservadora que incomodava para uma defensora dos ideais fascistas, que mesmo em uma conversa com o Papa este teria diversas vezes falado para ela: “Mas minha filha, eu sou católico! ”
A cultura está na UTI e agora virá mais do mesmo apresentado por este governo. A luta continuará, as indignações também. Conhecida pela frase “eu tenho medo”, durante a campanha de Lula em 2002, faço dela minhas palavras. Regina Duarte, eu tenho medo de você!


Charge sobre imprensa no Brasil