quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Gambitos no Rio de Janeiro


Gambitos no xadrez, significa você sacrificar peças menores para pegar as maiores. Esse termo sempre me vem à tona, quando somos acometidos por tragédias. Sempre após mortes e destruição, é que se endurece, criam-se leis e arranja-se verbas do nada para cobrir os danos. Nunca se pensa em prevenção. Nunca se pensa no bem comum. O dinheiro fala mais alto sempre. Como no caso de Brumadinho, em que prenderam a parte mais frágil da corda, para saciar a sociedade, mas justamente esses presos, que foram engenheiros que assinaram laudos corroborando a segurança da barragem, foi coagido pela empresa. Além disso, deputados afrouxam as leis para vistorias, se faz contenção com preços mais baratos possível, então as irregularidades são cometidas de cima para baixo, mas nunca serão atingidos, pela proximidade com o poder.
A verdade é que entra governo e sai governo, a situação das enchentes devidos as chuvas, não para! O Rio de janeiro, foi construído em grande parte nos mangues e ocupação do solo desordenada. As condições urbanísticas derivado de uma composição medieval, as tubulações arcaicas e o lixo acumulado também não ajudam. Todo ano, no período mais intenso de chuvas, a situação se repete. E todo ano, os governantes repetem as desculpas falando que investem milhões em prevenção, mas não foi possível evitar a tragédia.
Faz 53 anos, que tivemos uma das piores enchentes na cidade com 250 mortes e 50 mil desabrigados. A cidade ficou sem água, energia e sistema de transporte. Foram feitas prevenções desde então? Não. Aliás, temos registros de enchentes desde séculos passados. Em 1711, um sítio foi completamente inundado e o caos se instalou na cidade. Em 1756, depois de três dias de temporal, canoas eram o meio de transporte mais usado; em 1811 a chuva foi tão forte, que desmoronou uma parte do Morro do Castelo e em 1987 os desmoronamentos na Região Serrana fizeram o Estado decretar pela primeira vez Estado de calamidade pública.
Eu tive a experiência terrível com a chuva de 2010. Comecei a pegar a chuva na descida de Petrópolis para o Rio, que foi bastante forte, mas não tinha a noção real do que ainda estaria por vir. Chegando em Niterói, como a chuva estava fraca, aproveitei para fazer as compras da semana. Ao sair, não tinha notado o quanto tinha vindo aquela tempestade no tempo em que me entretinha com o setor alimentício. Encontrei o caos, como nunca tinha visto na vida. Ruas com águas até o meio dos carros, rotas de trânsito desrespeitadas, destruição nas ruas com árvores caídas. Minha saída foi ir para um lugar plano e longe de tudo. Fui para São Francisco e fui jantar no único bar funcionando. Nesse momento, parado e vendo o cenário ao redor, com enchentes, transbordamento de rios, explosões de energia, falta de luz e gritaria é que tive uma pequena noção. Tentei por duas vezes voltar para casa, mas foi impossível e tive que dormir no carro. O detalhe era que iria fazer um bolo para antecipar o aniversário de minha filha. Não aconteceu. Por sorte, se a madrugada precisasse de água ou comida, eu teria. No retorno para casa, no dia seguinte, vendo o rescaldo na minha cidade, é que vi a notícia da queda do morro do Bumba, que vitimou em 264 mortos.
Tiramos alguma lição dessas tragédias todas. Não. Continuaremos com problemas hoje, amanhã e depois de amanhã. Estudos, prevenções e alertas são sempre ignorados e só chegam ao público, no momento da tragédia, para mostrar o quanto foi omisso o governo em não evitar as mortes. Depois de cada tragédia, vem a segunda tragédia de enterrar os mortos e dar assistência social aos desabrigados, que no histórico é postergado ao máximo, enquanto para essas pessoas o sofrimento continua até a próxima crise.
Deixo minha solidariedade aos atletas jovens do Flamengo, que tiveram suas vidas ceifadas pelo fogo e que de enchente, foram as lágrimas que caíram sobre minha face por mais um descaso.

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