quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A olimpíada dos fármacos e excluídos

 

Fármacos. Foi a palavra que me ocorreu com o caso da ginasta Simone Biles. Sempre olhamos os atletas e seus feitos incríveis e superação das dificuldades com olhar de admiração, outros com olhar de impossibilidade e até de inspiração para futuras gerações, mas esquecemos de ter um olhar misericordioso com esses semideuses e seus momentos de glorificação eterna. Ficamos com o olhar viciados vendo apenas as histórias dos vencedores. E de como chegaram até ali, mostrando que é possível qualquer um chegar até ali ou não. Mas os holofotes dos píncaros da glória, também pode ser aquilo que tem o poder de transladar as impurezas.

Simone Biles foi holofote não por um pequeno momento de sucesso do que se esperava, dentro do olhar do mundo moderno, mas por ser NEURODIVERGENTE.A cena em que ela tenta dar sua decisão, com várias câmeras se comprimindo perto dela, para pegar talvez um momento como uma lágrima caindo, mostra o estado de saúde precário não da ginasta, mas nossas mesmo. Isso porque a decisão de Biles é uma decisão humana. Simone não ensinou sobre cuidado. Ensinou sobre aceitação de si. Coisa que a sociedade cada vez mais dependente de vencedores adolescentes robóticos. Enquanto nos preocupamos com esses detalhes, aumentando nossos problemas psicológicos, Bile se preocupou em curtir as apresentações. A imagem dela torcendo pela Rebeca Andrade foi o motivo da minha crença que essa geração tem possibilidades de reabilitar a humanidade no futuro.

Simone Biles nunca precisou reafirmar o quanto é vencedora. Na evolução do solo feminino da ginástica, de Ágnes Keleti a Simone Biles, nunca houve alguém com essa capacidade. Nem a minha favorita de todos os tempos, Nadia Comăneci. A maior nota desta final de solo era da Jade Carey: 6.300. Todas com 5.900. Biles teve 6.700 de dificuldade no primeiro dia de competições. E são essas atitudes pessoais que realmente deveriam influenciar positivamente os jovens. O quanto à busca pela perfeição, por momentos de glória, por um falso ideal narcísico contamina o mundo em que vivemos. O quanto isso ocultamente leva a sintomas graves de depressão, levando a jovens a não se aceitarem como indivíduos, piorando secretamente sintomas em que quando vemos, pode ser tarde demais para ajudar.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio já entram para a história, não como a única no meio da pandemia, mas como "a Olimpíada da diversidade e de defesa de igualdade de gênero".  Com 160 atletas assumidamente LGBTQIA+, histórias de superação econômica, manifestações a favor das pessoas oprimidas, além de religião, pele, cultura, imaginários e escolhas políticas. A história de Vitoria Rosa, que após a eliminação na prova dos 200mrasos, resolve desabafar o quanto foi uma ida solitária ao campeonato mais importante da vida de um atleta, sofreu como muitos, a falta de patrocínio e o salário reduzido. Um país economicamente forte tem esporte forte. Tivemos esse momento com diversos programas de políticas públicas, mas agora amarguramos um governo que eliminou o status de ministério e cortou todos os programas de incentivo ao esporte, levando a conquistas minguadas, que podiam estar recheadas de momentos mais felizes.

Vivemos um momento de apagão político e de futuro incerto na nossa sociedade, por isso a cada vitória é comemorada como um pódio pessoal. Parece que tentamos empurrar cada um daqueles que estão lá por conta própria ou aqueles que superaram tudo que a vida atual impõe.

Mas a imagem que me impressionou este fim de semana foi a de Sifan Hassan. Na classificatória dos 1500m feminino, a holandesa caiu na última volta após se chocar com outra atleta. Eu iria parar por aí. Mas ela não. Ela se levantou e ainda venceu a bateria. Nunca torci tanto numa corrida de 1500.

Superação. Existe outra palavra.

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