quinta-feira, 11 de julho de 2019

Chega de saudade. Não chega!


Para o gênio que sempre pediu silencio da plateia, desta vez ganhará um sonoro aplauso. E de pé. Não há palavras para descrever o quanto João Gilberto foi importante para a música brasileira. Parafraseando Dostoievski (se Deus não existe tudo é permitido), digo: se João Gilberto existe tudo é permitido. Ele conseguiu a proeza de ser cultuado no mundo inteiro, com uma música simples, mas complexa ao mesmo tempo. Criou uma batida, uma forma de cantar e deu oportunidade de alguém que tinha um violão de também tocar, sem vergonha de alguma comparação com cantores de formação. Fora o fato de ter influenciado toda música brasileira desde o lançamento de seu disco Chega de Saudade.
Meu depoimento pessoal, também como músico, pode ser registrado como minha forma de cantar. Graças ao João Gilberto e sua forma quase de falar ao invés de cantar, faço o mesmo com minha música pop contemporânea. Essa herança musical, faz com que não precise se profissionalizar e exagerar nos vocalizes como os americanos. É mais elegante e moderno. Imagine, até hoje, João Gilberto é moderno. Costumo viajar de carro e no meu pen drive, sempre está o disco Getz/Gilberto. Um dos meus Top 10 de discos. Para viajar então...mas posso citar também Chega de Saudade, que foi o divisor de águas da música. Outro disco que adoro é o intitulado João Gilberto. Tem a minha música preferida dele chamada É preciso perdoar. Uma daquelas que fica na cabeça durante o dia. Nesse disco ainda tem as magnificas: Eu vim da Bahia e Eu quero um samba.
Bela trajetória de quem amava Orlando Silva, mas procurou a batida perfeita e mudou radicalmente a música, como diria Ruy Castro, 1 minuto e 59 segundos que definiram de antes e depois. Nada mal ser o influenciador de músicos como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Chico Buarque, entre outros. Maravilhoso ser responsável por toda música brasileira em todos os estilos. Tudo que temos na modernidade, devemos a ele. Podia ser um ícone com mais alcance, mas sua reclusão a lá Howard Hughes, o impediu. Poderíamos falar que era generoso com os outros músicos e adorava conversar ao telefone de madrugada, mas seu gesto de querer sempre seu anonimato preservado, transformava cada aparição em um grande acontecimento. Como um troféu a ser exibido. Foi capa do JB, quando fez uma aparição surpresa para tocar Noel Rosa na rádio, deixando o locutor sem palavras. Mesmo assim, influenciou também artistas do exterior como Andy Summers, do The Police ou sendo um desejo de tocar, como com Eric Clapton. Caetano disse: "Eu, você, João/ Girando na vitrola sem parar/ E o mundo dissonante que nós dois/ Tentamos inventar”.
Teve a dimensão única como artista. Acho que nem ele sabia a dimensão de seu trabalho para o mundo. Foi o primeiro artista não americano a ganhar o Grammy de álbum do ano, em 1965. Essa marca só foi repetida de novo, pelos Beatles. Mas não só na área musical. Toda uma geração se arrebatou com sua batida. O cinema foi povoado com Bossa Nova. A pele que habito (Almodóvar), Prenda-me se for capaz (Spielberg), Boyhood, Os irmãos Cara-de-pau, Um homem e uma mulher, entre muitos outros. Seu ouvido absoluto e sua busca pela perfeição levaram ao estilo que flertava as vezes com a desafinação e homenageado na música Desafinado. Foi um momento de exportação de uma alegria brasileira que João Gilberto proporcionou além das notas musicais. Um músico que conseguiu colocar seu nome na história da música, que vai perpetuar por séculos. Muitos passarão, ele é eterno.
Ele, mesmo tentando dissipar a ideia de tristeza das músicas até então, criou músicas que o país se identificou e se identifica até hoje, como: Lá vem o Brasil descendo a ladeira. João Gilberto montou o imaginário do Brasil alegre, no qual nunca vivemos e sempre temos saudade.

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