quinta-feira, 22 de junho de 2017

Carismático

O carismático é carismático sem esforço. Ele não precisa ler algum livro, ver algum filme ou ver algum passo-a-passo no youtube. Ele apenas é. O carismático descobre seu dom, desde cedo, quando notou que tinha que dar cola na aula de massinha, no Jardim de infância. Nas festas juninas, O carismático estava sempre escalado para a barraca do beijo. Era lá que a escola sempre tinha lucro e salvava o orçamento do mês. Sempre foi tudo muito calmo, até chegar na adolescência, onde se queixa com seu pai:
- Não quero ser mais carismático!
- Desculpe filho, não entendi nada do que falou. Estava hipnotizado com seu carisma.
O carismático na rua podia causar verdadeiros transtornos. O brilho intenso de seu carisma pode levar ao desespero motoristas desavisados e colisões são sempre comuns em um simples passeio ao mercado. Quando O carismático precisa fazer sinal para o ônibus, quem está do outro lado acha que está sendo chamado. Pior para quem sofre de algum problema cardíaco, pois enche de transeuntes tentando resolver o problema. Agora imagine isso amplificado, quando O carismático precisa ir a loteria. O rastro de ataques do coração causados por seu carisma enquanto chega ao local é imensa. O carismático precisa ter cuidado ao passar por food trucks, porque algumas receitas acabam sendo reinventadas com o desvio de olhar de seus admiradores, gerando mega maioneses em um hambúrguer ou azeitona na cerveja. Por outro lado, milagres podem acontecer como paralíticos que saem das suas cadeiras para tentar abraçar O carismático ou cegos que voltam a enxergar, pessoa voarem, são muitas vezes comuns.  Talvez voar não. Outra coisa boa, pode ser o convite para ser levado de limusine ao centro da cidade, apenas para dar prazer de sua companhia ao motorista. Por vezes, quando você está com dores nas costas, pode se aproveitar dos bancos de couro, mesmo que tenha que ir à casa de sua tia. Uma procissão sempre se reúne em volta de sua casa, é claro protegida por cordões de isolamento vermelhos e elegantes. Milhões de flashes são disparados sempre que chega em casa, mesmo voltando suado da corrida na praia. A polícia já faz plantão todos os dias para organizar a baderna, já que a população fica dia e noite de plantão, aguardando um simples aceno ou um sorriso sutil. Não é incomum palavras de ordem, músicas, mosh e gritos esganiçados quando O carismático aparecia numa fresta da janela.
Quem pode explicar esse dom? Você não apenas quer ficar perto do carismático, alguns exaltados querem um pedaço da camisa, outras, autógrafo nos seios e alguns poucos um cílio já basta. Tudo começou a ficar mais e mais invasivo, no correr dos anos, quando mesmo ao tomar banho, alguém surrupia o xampu (que aliás, foi presente da sua tia Ana) como lembrança ou está escondido na banheira, atrás da porta ou até surge de dentro do vaso (não me pergunte como). Os anos passam, mas a impaciência cresce e o cansaço toma conta de seu ser. Não é para menos que O carismático tenha se incomodado com todo o assédio, pois seria como viver em um Big Brother todos os dias de sua vida, sem direito a se eliminar quando quisesse. Quantos convites recebeu para participar de partidos políticos? Inúmeros. Quantas vezes foi indicado para ser representante de turma? Incontáveis. Quantas vezes foi oferecido abrir uma igreja? Milhares. Cada vez mais alheio as multidões, foi se tornando um sujeito recluso. Não dizia seu endereço, não tinha redes sociais nem telefone.  Nenhuma das duas situações deixava O carismático feliz. Cada vez mais recluso, lembrava a figura de Howard Hughes, com barba por fazer, unhas longas, vestindo pijamas e tendo apenas o espelho como amigo. Resolveu dar cabo a todo aquele sofrimento. Escreveu uma carta singela e curta para a quem interessar e se dirigiu ao parapeito do prédio onde morava, no 23º andar. A aparição levou a multidão a loucura quando descobriu atrás daquelas vestes que era O carismático. Os gritos de alegria aos poucos se transformaram em gritos de horror com a queda do corpo ao chão. Tragédia nacional. Luto de três dias. O Papa escreveu uma homenagem, mas não conseguiu chegar ao fim do texto, debulhado em prantos comoventes. Do outro lado da vida, Deus não permite a entrada de um suicida em sua casa, por mais dor no coração que estivesse e de acordo com sua Lei, foi enviado ao inferno, aos cuidados direto de Lúcifer. Temendo o pior, O carismático, estava pronto para encarar seu sofrimento eterno. Frente a frente com o capeta, O carismático começa a falar:
- Estou pronto para encarar meus erros...para que essa câmera?

O próprio Coisa Ruim abraçou O carismático e fazia uma selfie, quando vários pequenos diabos reconheceram a figura que acabara de chegar e começaram a amontoar aos montes, venerando a luz do carismático. Agora, teria que encarar pela eternidade a bajulação e veneração do outro lado da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário