Fármacos. Foi a palavra que me ocorreu com o caso da ginasta
Simone Biles. Sempre olhamos os atletas e seus feitos incríveis e superação das
dificuldades com olhar de admiração, outros com olhar de impossibilidade e até
de inspiração para futuras gerações, mas esquecemos de ter um olhar
misericordioso com esses semideuses e seus momentos de glorificação eterna.
Ficamos com o olhar viciados vendo apenas as histórias dos vencedores. E de
como chegaram até ali, mostrando que é possível qualquer um chegar até ali ou
não. Mas os holofotes dos píncaros da glória, também pode ser aquilo que tem o
poder de transladar as impurezas.
Simone Biles foi holofote não por um pequeno momento de
sucesso do que se esperava, dentro do olhar do mundo moderno, mas por ser
NEURODIVERGENTE.A cena em que ela tenta dar sua decisão, com várias câmeras se comprimindo
perto dela, para pegar talvez um momento como uma lágrima caindo, mostra o
estado de saúde precário não da ginasta, mas nossas mesmo. Isso porque a
decisão de Biles é uma decisão humana. Simone não ensinou sobre cuidado.
Ensinou sobre aceitação de si. Coisa que a sociedade cada vez mais dependente
de vencedores adolescentes robóticos. Enquanto nos preocupamos com esses
detalhes, aumentando nossos problemas psicológicos, Bile se preocupou em curtir
as apresentações. A imagem dela torcendo pela Rebeca Andrade foi o motivo da
minha crença que essa geração tem possibilidades de reabilitar a humanidade no
futuro.
Simone Biles nunca precisou reafirmar o quanto é vencedora.
Na evolução do solo feminino da ginástica, de Ágnes Keleti a Simone Biles,
nunca houve alguém com essa capacidade. Nem a minha favorita de todos os
tempos, Nadia Comăneci. A maior nota desta final de solo era da Jade Carey:
6.300. Todas com 5.900. Biles teve 6.700 de dificuldade no primeiro dia de
competições. E são essas atitudes pessoais que realmente deveriam influenciar
positivamente os jovens. O quanto à busca pela perfeição, por momentos de
glória, por um falso ideal narcísico contamina o mundo em que vivemos. O quanto
isso ocultamente leva a sintomas graves de depressão, levando a jovens a não se
aceitarem como indivíduos, piorando secretamente sintomas em que quando vemos,
pode ser tarde demais para ajudar.
Os Jogos Olímpicos de Tóquio já entram para a história, não
como a única no meio da pandemia, mas como "a Olimpíada da diversidade e
de defesa de igualdade de gênero".
Com 160 atletas assumidamente LGBTQIA+, histórias de superação
econômica, manifestações a favor das pessoas oprimidas, além de religião, pele,
cultura, imaginários e escolhas políticas. A história de Vitoria Rosa, que após
a eliminação na prova dos 200mrasos, resolve desabafar o quanto foi uma ida
solitária ao campeonato mais importante da vida de um atleta, sofreu como
muitos, a falta de patrocínio e o salário reduzido. Um país economicamente
forte tem esporte forte. Tivemos esse momento com diversos programas de
políticas públicas, mas agora amarguramos um governo que eliminou o status de
ministério e cortou todos os programas de incentivo ao esporte, levando a
conquistas minguadas, que podiam estar recheadas de momentos mais felizes.
Vivemos um momento de apagão político e de futuro incerto na
nossa sociedade, por isso a cada vitória é comemorada como um pódio pessoal.
Parece que tentamos empurrar cada um daqueles que estão lá por conta própria ou
aqueles que superaram tudo que a vida atual impõe.
Mas a imagem que me impressionou este fim de semana foi a de
Sifan Hassan. Na classificatória dos 1500m feminino, a holandesa caiu na última
volta após se chocar com outra atleta. Eu iria parar por aí. Mas ela não. Ela
se levantou e ainda venceu a bateria. Nunca torci tanto numa corrida de 1500.
Superação. Existe outra palavra.
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