Para o gênio que sempre pediu silencio da plateia, desta vez
ganhará um sonoro aplauso. E de pé. Não há palavras para descrever o quanto
João Gilberto foi importante para a música brasileira. Parafraseando
Dostoievski (se Deus não existe tudo é permitido), digo: se João Gilberto
existe tudo é permitido. Ele conseguiu a proeza de ser cultuado no mundo
inteiro, com uma música simples, mas complexa ao mesmo tempo. Criou uma batida,
uma forma de cantar e deu oportunidade de alguém que tinha um violão de também
tocar, sem vergonha de alguma comparação com cantores de formação. Fora o fato
de ter influenciado toda música brasileira desde o lançamento de seu disco
Chega de Saudade.
Meu depoimento pessoal, também como músico, pode ser
registrado como minha forma de cantar. Graças ao João Gilberto e sua forma
quase de falar ao invés de cantar, faço o mesmo com minha música pop
contemporânea. Essa herança musical, faz com que não precise se profissionalizar
e exagerar nos vocalizes como os americanos. É mais elegante e moderno.
Imagine, até hoje, João Gilberto é moderno. Costumo viajar de carro e no meu
pen drive, sempre está o disco Getz/Gilberto. Um dos meus Top 10 de discos.
Para viajar então...mas posso citar também Chega de Saudade, que foi o divisor
de águas da música. Outro disco que adoro é o intitulado João Gilberto. Tem a
minha música preferida dele chamada É preciso perdoar. Uma daquelas que fica na
cabeça durante o dia. Nesse disco ainda tem as magnificas: Eu vim da Bahia e Eu
quero um samba.
Bela trajetória de quem amava Orlando Silva, mas procurou a
batida perfeita e mudou radicalmente a música, como diria Ruy Castro, 1 minuto
e 59 segundos que definiram de antes e depois. Nada mal ser o influenciador de
músicos como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Chico
Buarque, entre outros. Maravilhoso ser responsável por toda música brasileira
em todos os estilos. Tudo que temos na modernidade, devemos a ele. Podia ser um
ícone com mais alcance, mas sua reclusão a lá Howard Hughes, o impediu.
Poderíamos falar que era generoso com os outros músicos e adorava conversar ao
telefone de madrugada, mas seu gesto de querer sempre seu anonimato preservado,
transformava cada aparição em um grande acontecimento. Como um troféu a ser
exibido. Foi capa do JB, quando fez uma aparição surpresa para tocar Noel Rosa
na rádio, deixando o locutor sem palavras. Mesmo assim, influenciou também
artistas do exterior como Andy Summers, do The Police ou sendo um desejo de
tocar, como com Eric Clapton. Caetano disse: "Eu, você, João/ Girando na
vitrola sem parar/ E o mundo dissonante que nós dois/ Tentamos inventar”.
Teve a dimensão única como artista. Acho que nem ele sabia a
dimensão de seu trabalho para o mundo. Foi o primeiro artista não americano a
ganhar o Grammy de álbum do ano, em 1965. Essa marca só foi repetida de novo,
pelos Beatles. Mas não só na área musical. Toda uma geração se arrebatou com
sua batida. O cinema foi povoado com Bossa Nova. A pele que habito (Almodóvar),
Prenda-me se for capaz (Spielberg), Boyhood, Os irmãos Cara-de-pau, Um homem e
uma mulher, entre muitos outros. Seu ouvido absoluto e sua busca pela perfeição
levaram ao estilo que flertava as vezes com a desafinação e homenageado na
música Desafinado. Foi um momento de exportação de uma alegria brasileira que
João Gilberto proporcionou além das notas musicais. Um músico que conseguiu
colocar seu nome na história da música, que vai perpetuar por séculos. Muitos
passarão, ele é eterno.
Ele, mesmo tentando dissipar a ideia de tristeza das músicas
até então, criou músicas que o país se identificou e se identifica até hoje,
como: Lá vem o Brasil descendo a ladeira. João Gilberto montou o imaginário do Brasil
alegre, no qual nunca vivemos e sempre temos saudade.
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