Preciso falar com a Márcia que estou com
problemas de colesterol alto. Sei que ela estava marcando operações de catarata
apenas para os que participam de sua igreja, a despeito dele falar em campanha
que iria cuidar das pessoas. Sim, das pessoas que são evangélicas. Essa
situação é emblemática, pois está mostrando que todo esse modelo de
centro-direita não se sustenta a longo prazo. Apesar de todo um discurso vazio,
contra um discurso intelectual no período de campanha, ganhou quem? Aquele que
tem um rebanho, que se posiciona ao centro, aquele que pode negociar com o
poder vigente a décadas, sem ser incomodado por ninguém. Ledo engando. O
projeto de poder evangélico se diferencia do católico, na medida que além de
utilizar as velhas práticas, incomoda ao poder midiático, com facilitações
apenas para sua igreja. E isso, o poder dominante não aceita.
Preciso falar com a Márcia que esses reflexos não
são novos. Antes, apenas ficávamos sabendo se desse na imprensa alternativa ou
rodas de conversa. Preciso falar com a Márcia que o desemprego e arrochos é
típico desse período e estamos revivendo novamente. Podemos lembrar da campanha
de Chirac, que mostrava a mão, representando que iria cuidar da educação,
saúde, etc. Podemos hoje e olhar para trás e ver seu fracasso, o desmonte da
área social (alguma similaridade?) E ainda mostrando sua face bruta do
neoliberalismo. Helmut Kohl, que era o chanceler alemão, que normalmente mostra
uma estabilidade, marca da pátria alemão perante a Europa, também sofreu com
problemas e protestos. Nem precisa falar de Thatcher na Inglaterra, que sofreu
com milhares de protestos intermináveis dirigindo com mão-de-ferro, onde bandas
punks, que representavam a anarquia ao poder, juntaram suas vozes em uníssono contra
as medidas extremas da dama de ferro.
Preciso falar com a Márcia que até a nação mais
poderosa, também teve o revés com a era Reagan, onde a recessão foi chegando a
níveis insuportáveis e que adiante iria culminar na bolha imobiliária. Teve que
pensar em planos mais ousados, colocando seu tentáculo pelo mundo. O inimigo
era mentira. Os neoliberais levaram um susto e tanto.
Preciso falar com a Márcia que depois do sucesso
das economias emergentes, que estavam até emprestando dinheiro a outros países,
foram um a um levando os golpes mais bem preparados da história, legitimados
pela justiça. Falando isso antes, poderiam apontar o dedo e falar que era
conspiração alienígena ou algo do gênero.
Preciso falar com a Márcia que agora as pessoas
começaram a ver de outra forma a justiça. Compreendem que existe partidarismo.
Ficou evidente no caso do Habeas Corpus de domingo do Lula. A farsa de
ontem provou a parcialidade de Sérgio Moro contra Lula. A luta de um juiz que
está de férias, que diz que não tem tempo de abrir inquérito contra o Richa, em
um processo em que não tem mais jurisdição, obrigou a Polícia Federal a
desacatar a ordem até ter tempo de continuar a perseguição. Você não precisa
gostar de um partido ou outro, mas precisa ver como uma ditadura usando as
mídias pode fazer em um país. Lula já é considerado oficialmente no exterior,
um preso político.
Preciso falar com a Márcia que tudo isso ainda
vai piorar. O caminho que vai acontecer, não posso falar porque não tenho bola
de cristal, e isso é coisa de religiões afro, e se eu falar que sigo essa linha
religiosa, não vou poder ter nenhum privilégio no Rio de Janeiro, mesmo que a função
exija respeito à diversidade de credos e à laicidade do Estado. Uso privado do
poder. Procure no dicionário a diferença entre corporativismo e democracia.
Preciso falar com a Márcia que está tudo muito
complicado. Bem fez o Brasil que optou pelo despotismo esclarecido e não tem
nenhum desses problemas.
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