O carismático é carismático sem esforço. Ele não precisa ler
algum livro, ver algum filme ou ver algum passo-a-passo no youtube. Ele apenas
é. O carismático descobre seu dom, desde cedo, quando notou que tinha que dar
cola na aula de massinha, no Jardim de infância. Nas festas juninas, O
carismático estava sempre escalado para a barraca do beijo. Era lá que a escola
sempre tinha lucro e salvava o orçamento do mês. Sempre foi tudo muito calmo,
até chegar na adolescência, onde se queixa com seu pai:
- Não quero ser mais carismático!
- Desculpe filho, não entendi nada do que falou. Estava
hipnotizado com seu carisma.
O carismático na rua podia causar verdadeiros transtornos. O
brilho intenso de seu carisma pode levar ao desespero motoristas desavisados e
colisões são sempre comuns em um simples passeio ao mercado. Quando O
carismático precisa fazer sinal para o ônibus, quem está do outro lado acha que
está sendo chamado. Pior para quem sofre de algum problema cardíaco, pois enche
de transeuntes tentando resolver o problema. Agora imagine isso amplificado,
quando O carismático precisa ir a loteria. O rastro de ataques do coração
causados por seu carisma enquanto chega ao local é imensa. O carismático
precisa ter cuidado ao passar por food trucks, porque algumas receitas acabam
sendo reinventadas com o desvio de olhar de seus admiradores, gerando mega
maioneses em um hambúrguer ou azeitona na cerveja. Por outro lado, milagres
podem acontecer como paralíticos que saem das suas cadeiras para tentar abraçar
O carismático ou cegos que voltam a enxergar, pessoa voarem, são muitas vezes comuns. Talvez voar não. Outra coisa boa, pode ser o
convite para ser levado de limusine ao centro da cidade, apenas para dar prazer
de sua companhia ao motorista. Por vezes, quando você está com dores nas
costas, pode se aproveitar dos bancos de couro, mesmo que tenha que ir à casa
de sua tia. Uma procissão sempre se reúne em volta de sua casa, é claro
protegida por cordões de isolamento vermelhos e elegantes. Milhões de flashes
são disparados sempre que chega em casa, mesmo voltando suado da corrida na
praia. A polícia já faz plantão todos os dias para organizar a baderna, já que
a população fica dia e noite de plantão, aguardando um simples aceno ou um
sorriso sutil. Não é incomum palavras de ordem, músicas, mosh e gritos
esganiçados quando O carismático aparecia numa fresta da janela.
Quem pode explicar esse dom? Você não apenas quer ficar
perto do carismático, alguns exaltados querem um pedaço da camisa, outras,
autógrafo nos seios e alguns poucos um cílio já basta. Tudo começou a ficar
mais e mais invasivo, no correr dos anos, quando mesmo ao tomar banho, alguém
surrupia o xampu (que aliás, foi presente da sua tia Ana) como lembrança ou
está escondido na banheira, atrás da porta ou até surge de dentro do vaso (não
me pergunte como). Os anos passam, mas a impaciência cresce e o cansaço toma
conta de seu ser. Não é para menos que O carismático tenha se incomodado com
todo o assédio, pois seria como viver em um Big Brother todos os dias de sua
vida, sem direito a se eliminar quando quisesse. Quantos convites recebeu para
participar de partidos políticos? Inúmeros. Quantas vezes foi indicado para ser
representante de turma? Incontáveis. Quantas vezes foi oferecido abrir uma
igreja? Milhares. Cada vez mais alheio as multidões, foi se tornando um sujeito
recluso. Não dizia seu endereço, não tinha redes sociais nem telefone. Nenhuma das duas situações deixava O carismático feliz.
Cada vez mais recluso, lembrava a figura de Howard Hughes, com
barba por fazer, unhas longas, vestindo pijamas e tendo apenas o espelho como
amigo. Resolveu dar cabo a todo aquele sofrimento. Escreveu uma carta singela e
curta para a quem interessar e se dirigiu ao parapeito do prédio onde morava,
no 23º andar. A aparição levou a multidão a loucura quando descobriu atrás
daquelas vestes que era O carismático. Os gritos de alegria aos poucos se
transformaram em gritos de horror com a queda do corpo ao chão. Tragédia
nacional. Luto de três dias. O Papa escreveu uma homenagem, mas não conseguiu
chegar ao fim do texto, debulhado em prantos comoventes. Do outro lado da vida,
Deus não permite a entrada de um suicida em sua casa, por mais dor no coração
que estivesse e de acordo com sua Lei, foi enviado ao inferno, aos cuidados
direto de Lúcifer. Temendo o pior, O carismático, estava pronto para encarar
seu sofrimento eterno. Frente a frente com o capeta, O carismático começa a
falar:
- Estou pronto para encarar meus erros...para que essa
câmera?
O próprio Coisa Ruim abraçou O carismático e fazia uma
selfie, quando vários pequenos diabos reconheceram a figura que acabara de
chegar e começaram a amontoar aos montes, venerando a luz do carismático.
Agora, teria que encarar pela eternidade a bajulação e veneração do outro lado
da vida.
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