A atitude de Arthur Lira, recém-empossado presidente da Câmara dos deputados, me lembrou bastante o personagem Dr. Jekyll e Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson, publicado em 1886.
A vitória avassaladora, já pressentida
do candidato do presidente, parece ter sido o mote para sua transformação sem
precisar do soro da verdade. Aquela que para testa a natureza humana e muda o
pacato doutor em um monstro. Que o mandatário maior do país, tem poucos modos,
já sabemos. Que o novo presidente é alinhado ao presidente, já sabíamos. Mas
chocou a transformação em poucos minutos.
Com um discurso pregando paz e conciliação entre todos, em
outro momento, vocifera que todos os partidos de oposição estão banidos das
composições. Com ódio reprimido, esquece a compostura e dá a martelada final
nos microfones da Câmara, sem nenhum pudor. Em outro momento do discurso, prega
a importância da vacinação e de se proteger os cidadãos. “O país atravessa a mais cruel, devastadora e
feroz pandemia do último século, o povo sofre seus efeitos e mais do que nunca
precisa que os poderes da República atuem c/harmonia e responsabilidade”, disse
Arthur Lira antes da aglomeração na festa que celebrou a vitória.
Seria Bipolaridade? Alguém sensato escreveu o texto e depois
que leu, viu que era tarde demais? Quais os motivos dessa transformação tão
rápida? Sua amizade de longa data com Eduardo Cunha, sempre foi notada como
sendo aprendiz de seu mestre. Atuação sempre discreta e envolvente através dos
bastidores. Chefiou a comissão mais importante, a CCJ (Constituição e Justiça)
e pode atuar para livrar seu amigo Cunha, em um processo de quebra de decoro. Por
outro lado, responde a dois processos. Um fazendo parte do “Quadrilhão do PP”,
organização criminosa que atuou lesando a Petrobras, a Caixa Econômica Federal
(CEF) e o Ministério das Cidades. E também de agressão a sua ex-mulher.
Lembrando a obra de Stevenson, ela foi baseada na vida dupla de William Brodie, na Escócia,
que de dia ele era um respeitado cidadão de bem; à noite, roubava as casas da
cidade. Como negociador, Arthur Lira, é apontado como habilidoso e tentou
seduzir a esquerda, dizendo que seria independente do presidente. Falava sobre
isso, sobre sua capacidade de autonomia, mas no fim do dia era visto de abraços
ao seu amigo. O autor do conto, nos leva o debate político e social da época vitoriana
(Karl Marx viveu em Londres de 1850 até 1883), com a cidade dividida entre
ricos e uma grande população empobrecida. E o personagem, dividido entre duas
personalidades, uma do respeitado doutor, exemplo de conduta e a outra,
reprimida durante sua vida, que comete vilanias, sem responsabilidades,
convive durante a trama sem problemas de
identidade. Muito se fala em termos de psicologia a cerca dessa dualidade
enfrentada por muitos, porém nada foi tão visível, quanto a cena final da
eleição na Câmara.
No dia seguinte, Arthur Lira, teve que voltar atrás em sua
decisão, pois até a possibilidade de cassação poderia haver, com menos de 24hs
uma abertura de processo pelo PDT foi levada ao Supremo. Mesmo desistindo de
seu primeiro ato, arma as comissões com seus aliados e distribuindo cargos aos
mais radicais apoiadores do presidente como, por exemplo, a comissão mais importante
da Câmara que será presidida pela famosa disseminadora de fake news,
negacionista, Bolsonarista raiz, sabotadora do combate à pandemia e apoiadora
dos atos pelo fechamento do Congresso e do STF. Bia Kicis na CCJ. É aquela que
analisa a constitucionalidade das pautas para serem votadas.
No conto, Mr. Hyde, faz da jovem Ivy a sua vítima. Quem será
a vítima deste Lira transformado? Enfim, foi um primeiro dia tumultuado e que
pode indicar uma condução de muito desgaste, ao contrário do seu discurso. E por
outro lado, dizem que não vai haver surpresas, que seguirá o ritmo agressivo de
Bolsonaro. A esperança é que daqui a dois anos possamos falar ao contrário.
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