Estamos próximos da reapresentação do quadro Independência
ou morte (1888) do fantástico pintor Pedro Américo em São Paulo, no museu do
Ipiranga. Faz alguns anos, desde 2013, que o museu começou o projeto de reforma
do museu e consequentemente, o restauro do quadro icônico do artista. Uma tela
magnífica de 7 metros de largura por 4 metros de altura, teve uma restauração
digna do valor histórico e pictórico do quadro. Restabeleceram a pintura
original do céu, limpando os amarelecimentos, olhando a química e física das
alterações, além da espectrometria. Um
trabalho que demorou anos no trabalho de restauro e mais outros anos de
projeto. O resgate da obra, já por si só, já é importante pela qualidade do
trabalho e sem contar o valor inestimável histórico. Essa é uma boa notícia.
Mas não é compartilhada por um governo que não apoia a cultura
e uma parte da população que não vê a cultura como essencial para formação de
um povo. Uma população que não valoriza e protege sua arte, está fadada a
extinção. Me lembra o Estado Islâmico destruindo esculturas milenares, que além
do valor histórico, representavam uma civilização do passado, viraram pó
através de bombas, acabando com o vestígio de existência daquele grupo secular.
Nada mais triste que destruir uma obra de arte, por motivos mais torpes ainda. Não
estamos muito longe disso, com o desprezo dado a toda cultura. Acabar com a
Biblioteca do Senado, deixando os livros históricos a própria sorte, para
transformar em sala para a primeira dama, demostra a falta de apreço por cada
símbolo.
Isso é muito grave, por que aqueles que apoiam a barbárie
estão se multiplicando. O que antes servia de pretexto para acabar com
terreiros de religião afro, se disseminou para as artes de uma maneira geral.
Mentes saindo do país, cientistas que estão migrando para trabalhar em outros
países e suas descobertas serem de outro país, são a normativa do momento.
Uma estátua de 400kgs e de quase dois metros foi furtada na
praça Paris, na Glória. A obra, retratando a mãe do Marechal Deodoro, era uma
imponente peça de bronze, que a princípio pode parecer loucura alguém conseguir
roubar uma estátua dessas dimensões, mas a poucos anos não roubaram vários
trens da supervia e o caso mais espetacular, as vigas da perimetral, muito
maiores, que até hoje não teve uma solução do caso e nunca haverá. Como confiar
uma obra de Picasso visitar o nosso país nessas condições? Se roubam o balão de
Papai Noel gigante sem valor, como ficam as obras verdadeiramente importantes
do país? Me custa crer, na condição de entender o valor da arte, uma coisa
dessas acontecer. Para alguns, lembrou o filme “Uma noite no Museu”, onde a
estátua pode ter se levantado e fugido...
Acho que o mais chocante foi a notícia que uma equipe de
artes de uma emissora evangélica (Record) pintou de branco uma arte
pré-histórica rupestre preservada durante séculos em Diamantina, Minas Gerais.
Aqueles que conhecem e provavelmente se formaram em artes cometerem um
assassinato dessa magnitude. Mas não se trata de formação ou conhecimento, mas
de índole. A Serra do Pasmar que foi considerada de alto valor arqueológico, patrimônio
da Unesco tem registros arqueológicos de até 4.000 anos, logo a multa para
emissora, foi o troco de um cafezinho. Resistiram a todas intempéries,
grileiros e capitalistas, mas não resistiu a ignorância humana.
Não dá apenas para tachar de ignorante, pois aqueles que
conhece o valor de uma obra, ainda assim o fazem por ganancia ou narcisismo. São
arrogantes e prepotentes. Acreditam que são os únicos detentores de uma
existência incrível que está muito acima dos demais mortais. Tudo podem. Nessa
e na outra vida.
Me lembra de um musical do Woody Allen, cantada
por um morto. Enjoy
yourself it’s later than you think. Nada
mais me assusta nessas notícias. Me constrange e me entristece demais. Dá uma
certa vontade de fazer arte para quem valoriza a arte, mas arte é também
resistência. Por isso continuo meu trabalho sem medo. Tá certo, o cabelo do
Trump me assusta